quinta-feira, 15 de novembro de 2012


'Tabula Rasa' by Denilce Luca

O julgamento é natural e inerente ao ser, precede qualquer decisão, da mais simples a mais complexa: ao acordar julgamos nossa própria aparência, o suicida em potencial julga os prós e contras de dar um fim na própria vida e qual a melhor forma de executar o ato.

E em nossa análise para consecutivas inúmeras tomadas de decisões continuamos julgando.  O julgamento carrega com ele o preconceito - conceito antecipado, dito “pré-conceito”.

Julgando pesamos lados opostos de algo ou alguém.  E tudo é confuso, pois, conforme Heraclito, os opostos são interdependentes: ‘A lei secreta do mundo reside na relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta permanente; mas, ao mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada existiria se não existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim, por exemplo, uma subida pode ser pensada como uma descida por quem está na parte de cima. Entre os contrários se cria uma espécie de luta constitutiva do logos indiviso. ’

E com mais uma dose de Heraclito, acredito que o preconceito positivo torna-se negativo, incorpora-se na decepção – aquele ou aquilo que julgávamos ser bom é na realidade falho; enquanto que o preconceito negativo torna-se positivo, transforma-se em admiração, ou seja, surpreendemo-nos a perceber que aquilo ou aquele era bem melhor do que julgávamos.

O branco, que aparentemente é a ausência de cor, é a mistura de todas elas, o preto, aparentemente mistura pesada de cores, esse sim é a total ausência delas. O escuro é definido como a ausência de luz, ou seja, a luz precisa se ausentar para que ele exista. Sem a noção de luz não definimos o escuro. Sem o contraste com o escuro não saberíamos o que é luz.

O amor vira ódio, o ódio vira amor, e existe uma íntima correlação entre ambos considerando que só nos provoca ódio algo que seria potencialmente capaz de inspirar amor...

Somos então uma tabula rasa! Pois não somos. Só existimos porque outros nos veem, nos vendo nos julgam, somos então não um ser, mas uma imagem. E não depende absolutamente de nós fazer parte da decepção ou da boa surpresa. Depende sim, exclusivamente do julgamento de outrem.

Mas como nada é ruim ou bom, ou tudo é bom e ruim, sinto-me muito aliviada. Tirei de mim o peso da obrigação do bem-julgar. Nada é. Tudo é imagem. Tudo é ilusão. E assim, como boa ilusionista, crio uma realidade a mim mesma sustentável, e nos meus melhores momentos um mundo encantadoramente maravilhoso de se viver. Nos piores, lembro de nada ou simplesmente me esqueço de tudo. 

Apenas uma tabula rasa. 

6 comentários:

  1. Genial De!!!! Desde o berço aprendemos a julgar, especialmente os outros.... muitas vezes pra esconder a nossa própria contradição!!!!

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  2. Muito bem pensado, inteligente o texto! Gostei muito.Me fez pensar e continuarei pensando sobre.
    Um abraço.

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  3. Obrigada, Mari! Fico feliz que tenha gostado! Abraço!

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