'Tabula Rasa' by Denilce Luca
O
julgamento é natural e inerente ao ser, precede qualquer decisão, da mais
simples a mais complexa: ao acordar julgamos nossa própria aparência, o suicida
em potencial julga os prós e contras de dar um fim na própria vida e qual a
melhor forma de executar o ato.
E em nossa
análise para consecutivas inúmeras tomadas de decisões continuamos julgando. O julgamento carrega com ele o preconceito -
conceito antecipado, dito “pré-conceito”.
Julgando
pesamos lados opostos de algo ou alguém. E tudo é confuso, pois, conforme Heraclito, os
opostos são interdependentes: ‘A lei secreta do mundo reside na
relação de interdependência entre dois conceitos opostos, em luta permanente;
mas, ao mesmo tempo, um não pode existir sem o outro. Nada existiria se não
existisse, ao mesmo tempo, o seu oposto. Assim, por exemplo, uma subida pode
ser pensada como uma descida por quem está na parte de cima. Entre os
contrários se cria uma espécie de luta constitutiva do logos indiviso. ’
E com mais
uma dose de Heraclito, acredito que o preconceito positivo torna-se negativo, incorpora-se
na decepção – aquele ou aquilo que julgávamos ser bom é na realidade falho;
enquanto que o preconceito negativo torna-se positivo, transforma-se em admiração,
ou seja, surpreendemo-nos a perceber que aquilo ou aquele era bem melhor do que
julgávamos.
O branco,
que aparentemente é a ausência de cor, é a mistura de todas elas, o preto,
aparentemente mistura pesada de cores, esse sim é a total ausência delas. O
escuro é definido como a ausência de luz, ou seja, a luz precisa se ausentar
para que ele exista. Sem a noção de luz não definimos o escuro. Sem o contraste
com o escuro não saberíamos o que é luz.
O amor vira
ódio, o ódio vira amor, e existe uma íntima correlação entre ambos considerando
que só nos provoca ódio algo que seria potencialmente capaz de inspirar amor...
Somos então uma tabula rasa! Pois não somos. Só
existimos porque outros nos veem, nos vendo nos julgam, somos então não um ser,
mas uma imagem. E não depende absolutamente de nós fazer parte da decepção ou
da boa surpresa. Depende sim, exclusivamente do julgamento de outrem.
Mas como nada é ruim
ou bom, ou tudo é bom e ruim, sinto-me muito aliviada. Tirei de mim o peso da
obrigação do bem-julgar. Nada é. Tudo é imagem. Tudo é ilusão. E assim, como boa
ilusionista, crio uma realidade a mim mesma sustentável, e nos meus melhores
momentos um mundo encantadoramente maravilhoso de se viver. Nos piores, lembro
de nada ou simplesmente me esqueço de tudo.
Apenas uma tabula rasa.
fabuloso texto colega!
ResponderExcluirObrigada, Ricardo!
ResponderExcluirGenial De!!!! Desde o berço aprendemos a julgar, especialmente os outros.... muitas vezes pra esconder a nossa própria contradição!!!!
ResponderExcluirThank u Bia!
ResponderExcluirMuito bem pensado, inteligente o texto! Gostei muito.Me fez pensar e continuarei pensando sobre.
ResponderExcluirUm abraço.
Obrigada, Mari! Fico feliz que tenha gostado! Abraço!
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